Jornalismo gonzo desnuda o sonho americano

Hunter S. Thompson era personagem insólito dos textos que produzia

O leitor sabe que, por trás de uma notícia, existem muitas vezes interesses e comprometimentos com um ou outro lado da história. Tanto isso é verdade que de tempos para cá surgiu a expressão ‘Partido da Imprensa Golpista (PIG)’ para denunciar esse desejo incontido de derrubar o governo ou atingir a imagem da política custe o que custar.

Mais honesto mesmo seria abandonar a objetividade e assumir que uma cobertura jornalística é algo que também conta com motivações interiores. Esse foi o mote do escritor e jornalista Hunter S. Thompson (1937-2005) para fazer seus livros, escritos com a fúria de quem tem uma percepção aguçada do mundo e se coloca como personagem de suas narrativas.

O mais famoso de seus títulos, ‘Medo e delírio em Las Vegas, uma jornada selvagem ao coração do Sonho Americano’, reporta uma história maluca do jornalista Raoul Duke, alter ego do escritor, cobrindo a Mint 400, uma das maiores corridas off-road do mundo, ao lado de seu advogado, o Dr.Gonzo, um samoano cuja raça é alvo de preconceito dos americanos.

Thompson publicou sua história em 1971, em capítulos, na revista Rolling Stone. Em 1998, o texto virou filme, com os atores Johnny Depp, como Duke, e Benicio Del Toro no papel de Dr. Gonzo. Thompson é criador do que se chamou de jornalismo gonzo, um texto em que a ficção e a realidade se fundem ao sabor da subjetividade do autor.

Para ir de Los Angeles para Las Vegas, a dupla aluga um conversível vermelho e enche seu porta-malas com drogas: “Tínhamos dois sacos de maconha, 75 bolinhas de mescalina, cinco folhas de ácido de alta concentração, um saleiro cheio até a metade com cocaína, e mais uma galáxia inteira de pílulas multicoloridas, estimulantes, tranquilizantes, berrantes, gargalhantes…”.  Além disso, eles tinham também bebidas.

A investida da dupla com esse arsenal pelas ruas de Las Vegas é um verdadeiro contrassenso, um disparate, visto que a cidade é polo do pensamento conservador nos Estados Unidos. Na entrada de Las Vegas, um aviso diz: “Não aposte na maconha! Em Nevada, posse: 20 anos; venda: prisão perpétua!”

O mergulho insensato no mundo do jogo e do dinheiro torna-se assim um fator de paranoia constante. O conflito entre a droga e a realidade distorcida pelos valores que dominam em Las Vegas faz com que os dois amigos vivam suas loucuras em fuga, sem prazer e sem qualquer bom senso ou lógica. Essa jornada de pessoas fora de padrão em um lugar tão intolerante como Las Vegas mostra o quanto o sonho americano tem de impiedoso e autoritário.

Medo e delírio em Las Vegas, uma jornada selvagem ao coração do Sonho Americano,

Hunter S. Thompson, ilustrações de Ralph Steadman e tradução de Daniel Pellizari, editora L&PM Pocket, RS, 2010, 220 páginas.

 

Foto: Divulgação

4 comentários sobre “Jornalismo gonzo desnuda o sonho americano

  1. Acho o mais importante no boxe sobre o autor é a referência ” Duas vezes no festival de Águas Claras”. É uma medalha que, certamente, ele se orgulha de ostentar.

    • Caro Beno, seu comentário chamou a atenção para o fato de que é mais importante para o leitor saber nessa página do que trata o blog e qual a sua motivação. Por isso, com base na sua sugestão, fiz mudanças na página esperando que ela possa ser mais objetiva e refletir também as expectativas de seus leitores. Aproveito a oportunidade para citar o jornalista Luiz Carlos Azenha, editor de ´Viomundo’, que certamente é uma referência para a comunidade de blogueiros: “Ao longo destes seis anos, aprendi muito com os leitores e comentaristas do Viomundo. Foram eles que me fizeram descer do pedestal imaginário em que nós, jornalistas, muitas vezes nos colocamos.”
      Abs,
      Helder

  2. Parabéns pelo texto, rapaz!!
    O que eu fico mais contente é de encontrar aqui resenhas sobre uma literatura ousada, que explora não só questões cotidianas, mas que se aprofunda no mundo e o desnuda pela experiência. É a literatura corajosa!

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