Estava tudo acertado, combinadinho da silva. Mas gorou.
A família não entendia por que aquela rede de tevê queria entrevistá-lo, menos ainda por que queria saber sua opinião sobre assuntos tão diversos – da passeata gay à festa de Iemanjá, sem descuidar do aumento da passagem dos transportes coletivos. Não era Zica. Nem Canô.
— Diga à tevê que eu topo. Falo sobre tudo. Pra mim, não há, nunca houve, assunto tabu. Até que enfim, alguém resolveu dar valor à experiência, a forma mais sólida de sabedoria. Que venha a tevê. Vou me banhar, fazer a barba, coçar o pé, botar o pijama novo. Fralda eu não boto. Essa merda é só pra dormir. E olhe lá! É por pouco. Minha paciência está no limite.
A equipe chegou. A repórter foi logo passando ao velho marinheiro as instruções:
— Vou lhe perguntar isso. Depois, aquilo. Seja breve. O tempo de tevê é curto…
— Princesa, não se preocupe: sou de pouco falar. E urino com frequência.
Eis que entra em cena o maquiador. Queria porque precisava passar um pó no rosto do lobo do mar, para retirar o excesso de brilho.
— É de praxe, vovô.
— Vovô, o cacete. Nunca tive neto veado. Que eu saiba!
Conversa daqui, conversa de lá, o velho marinheiro aquiesceu:
— Mas não pinte minhas bochechas de vermelho. Quem gostava de ruge era sua avó, que conheci bem. Não ouse sapecar pontinhos pretos. Puxo o canivete. Homem como a senhora não merece confiança, ainda mais numa época como essa: de festejos juninos.
A coisa desandou de vez, quando o maquiador ponderou:
— Sem um batom neutro nos lábios…
A correria foi grande; o vexame, imenso. A lâmina brilhava no ar.
E o velho marinheiro, nosso lobo do mar, resolveu que entrevistas, dali pra frente, só pra jornal ou rádio. Ou por escrito. Contratou um assessor de imprensa.
Orlando Silveira
Gostei muito !!! Escrevo dando risadas ao relembrar do texto…. me sinto mais leve….rs Ah, se o velho marinheiro precisar, posso indicar um assessor de imprensa maravilhoso….rs Parabéns!
Obrigado, Paula. Abraço.