Psiquiatria que anula o sujeito

Internos do Colônia: sem direito à dignidade – Foto: Luiz Alfredo (O Cruzeiro)
Internos do Colônia: sem direito à dignidade – Foto: Luiz Alfredo (O Cruzeiro)

As coisas esquecidas falam mais sobre nós do que as lembranças vivas. Mas é preciso coragem para recuperar os fatos e ouvir o que eles têm a dizer. No caso da reportagem da jornalista Daniela Arbex, do jornal Tribuna de Minas, publicada no livro “Holocausto brasileiro”, os fatos dizem que a nossa sociedade passou o século 20 conivente com a segregação, violência e morte praticadas pelo Estado dentro dos hospitais psiquiátricos do País.

Daniela resgata a história do hospital Colônia, em Barbacena (MG), município encravado na Serra da Mantiqueira, onde cerca de 60 mil pessoas morreram sem a menor assistência e direito à dignidade, despidas de corpo e alma, bebendo água de esgoto e rodeadas de condições precárias.

A jornalista entrevistou os sobreviventes do holocausto e os funcionários e médicos que atuaram na instituição até conseguirem, a partir dos anos 90, começar a humanizar o tratamento, com a perspectiva de reintegração social do doente mental.  Nessa reportagem, que recebeu o prêmio Esso de jornalismo, Daniela recupera também a cobertura da revista “O Cruzeiro”, nos anos 60, que pela primeira vez deu visibilidade ao holocausto praticado desde o início do século 20, quando o Colônia abriu suas portas.

O exemplo de Barbacena não é isolado. Daniela lembra que uma inspeção nacional em hospitais psiquiátricos, realizada pelo Conselho Federal de Psicologia e pela Ordem dos Advogados do Brasil em 2004, apontou condições subumanas em 28 unidades. No You Tube está disponível outro exemplo, o documentário “A casa dos mortos”, com direção, roteiro e pesquisa da antropóloga Debora Diniz, que explora o interior do Manicômio Judiciário de Salvador (BA).

O livro de Daniela é recheado de fotos do hospital Colônia, e muitas delas apresentam os pacientes nus – não porque fossem loucos a ponto de andarem sem roupas, mas simplesmente porque cada paciente tinha só uma peça de roupa, que não tinha substituta quando estava na lavanderia.

Não havia camas também. Um ofício do Estado de 1959 recomendava aos hospitais psiquiátricos o que já era realidade na prática, a adoção do “leito chão”. Sem roupas e sem camas, os internos enfrentavam as noites frias fazendo montanhas humanas, que frequentemente amanheciam com mortos esmagados. Eletrochoques, banhos gelados e lobotomia eram outras práticas que subjugavam os pacientes, 70% deles sem diagnóstico de doença mental, mas que estavam ali porque perderam seu lugar na sociedade. Muitos eram alcoólatras, homossexuais, prostitutas ou de algum modo haviam se rebelado contra os preceitos da vida social.

Daniela Arbex - capa2Holocausto brasileiro,

Daniela Arbex, Geração Editorial, SP, 2013, 276 págs.