O sofá e o novo livro do historiador Frederico Pernambucano de Mello formam um casamento perfeito. A narrativa de ‘Benjamin Abrahão: entre anjos e cangaceiros’, que resultou de uma pesquisa cuidadosa, seduz com suas figuras de linguagem ao estilo das obras de ficção.
O leitor é conduzido ao universo cultural e social do Nordeste, em meio aos personagens que habitam o imaginário popular há décadas, como padre Cícero, do Juazeiro do Norte (CE), e Lampião.
Benjamim Abrahão, imigrante de origem síria, foi jornalista, comerciante, ourives e, principalmente, secretário particular de padre Cícero e documentarista e fotógrafo do reinado de Lampião no sertão nos anos 30. Foi, portanto, como um súdito que serviu a dois senhores, ou a Deus e ao Diabo, exercendo uma ambiguidade que o colocou como testemunho de acontecimentos históricos do Nordeste.
Esse foi o caso, por exemplo, da articulação que aproximou padre Cícero e Lampião no projeto de tentar desbaratar a Coluna Prestes, que nos anos 20 cruzou o País manifestando o descontentamento com a República Velha. A investida naufragou na recusa do governo federal em financiar as tropas, e depois disso Lampião, que havia recebido o título de ‘capitão’, volta à ilegalidade promovendo crimes em represália ao acordo não cumprido.
A linguagem que o historiador desenvolve no livro pode ser tributada a um estilo apurado a partir de sua experiência como discípulo do sociólogo Gilberto Freyre, nos anos 70 e 80. Para o autor do prefácio Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes, professor de sociologia da Universidade Federal do Ceará, a narrativa “situa-se a meio caminho entre o ensaio rigoroso e a ficção”.
A experiência de Pernambucano de Mello com o tema está também por trás da câmera que registrou o filme ‘Baile Perfumado’, de 1996, dirigido por Paulo Caldas e Lírio Ferreira. O historiador foi assessor da equipe que fez o filme, também centrado nos desafios de Benjamin Abrahão para filmar o rei do sertão.
O livro de Pernambucano de Mello surgiu de um documento especial, trazendo pela primeira vez seu conteúdo a público. Trata-se da caderneta de anotações de Benjamin Abrahão, escrita alternadamente em árabe e português, recolhida pela polícia no momento de seu assassinato, em 1938, aos 37 anos de idade. O historiador trabalhou três anos, assessorado por dois professores de árabe, para decifrar o conteúdo, que esclarece pontos obscuros da história, como a relação entre padre Cícero e Lampião.
Benjamin Abrahão: entre anjos e cangaceiros,
Frederico Pernambucano de Mello, editora Escrituras, SP, 2012, 351 págs.
Foto: Divulgação