‘Quando a água acabar’ pode ser mera força de expressão. Há lugares na cidade em que a água já acabou e quem me contou isso não foi o superintendente das águas de algum lugar, mas uma moradora do bairro dos Pimentas, em Guarulhos. Para ela, que todos os dias vai a São Paulo trabalhar, onde sempre vê as torneiras operantes, o gestor das águas e o governo tomaram a decisão clara de jogar o peso da crise hídrica sobre os mais pobres. Mais uma vez, São Paulo cumpre o legado histórico da política conservadora, e governa para os mais favorecidos, protegendo os bairros centrais do racionamento.
Oficialmente, Guarulhos cumpre um racionamento de um dia com água e outro sem desde o início da crise do Cantareira. Mas para essa mulher lutadora que mora no Pimentas, terminou o supletivo há pouco tempo e sonha em estudar na Universidade Federal em Guarulhos, que está sendo construída no seu bairro, o racionamento um por um seria de longe melhor do que a situação que vem enfrentando.
“Não tem racionamento, a água chega de forma completamente irregular, às vezes não tem pressão para chegar à caixa”, afirma, ressaltando que chega a ficar três dias sem água. Ela conta que os baldes estão cada vez mais se espalhando pela casa. E que o “socorro” um dia foi prestado por um carro-pipa que a prefeitura mandou, mas saiu briga na disputa pela água, o motorista até passou mal, e nunca mais o carro-pipa voltou. Também conta que a conta de água subiu, de R$ 20, em média, para R$ 36.
Mas o conto do vigário na crise hídrica de São Paulo é essa história de que São Pedro é quem vai salvar. Fosse um tempo de chuvas normais, ainda assim o Sistema Cantareira, que supre perto de 50% da cidade e outras regiões, estaria abaixo dos níveis de segurança. O consumo aumentou com o crescimento da população e de outras demandas, como a industrial. O fato é que o governo não fez os investimentos necessários para a expansão do abastecimento, e agora tenta soluções emergenciais, que neste ano não serão concluídas.
Nos últimos dias, especialistas em meio ambiente apareceram na imprensa para prever os desdobramentos do colapso do Cantareira e Alto Tietê, as duas reservas que podem secar primeiro. É até tecnicamente discutível se o colapso já não começou. Há quem defenda que sim, e para outros, como a moradora do Pimentas, o colapso se impôs na prática.
Mas também os últimos dias trouxeram à tona a crise de energia elétrica e, ironicamente, no escuro, em meio aos apagões, começou a ficar claro para os brasileiros que o País atravessa uma crise hídrica sem precedentes. 2015 provavelmente será menor do que sonhamos na noite de Ano Novo – haverá um impacto social e econômico que é difícil prever, mas que provavelmente vai se traduzir em menor crescimento.