Fui ver ‘Ninfomaníaca, vol.1’, do cineasta dinamarquês Lars von Trier, e graças a algumas ‘intertextualidades’, ou a uma conversa entre cinema e literatura, saí do filme com os pensamentos em Edgar Allan Poe (1809-1849), o genial escritor norte-americano que criou o gênero policial no século 19 com o conto ‘Os crimes da Rua Morgue’.
A narrativa de Trier no filme destaca que a causa da morte de Poe foi o delirium tremens, ou delírio provocado pelo consumo excessivo de álcool. Alguns textos sustentam que oficialmente a causa da morte de Poe é desconhecida, mas o que importa no filme são as referências que o diretor faz ao escritor, entre elas, no início, quando a protagonista Joe, a ninfomaníaca, é encontrada caída na rua em um dia de inverno, da mesma forma como Poe morreu na sarjeta de uma rua de Baltimore, de tanto beber. Mas afora outras citações ao escritor durante o filme, a própria coincidência gráfica e fonética entre ‘Joe’ e ‘Poe’ indica que o diretor está em busca da intertextualidade.
Já em casa, resgatei da eterna estante desarrumada um livro sobre o escritor norte-americano, que me aguardava há dias, um romance de suspense psicológico, de autoria do norueguês Nikolaj Frobenius, intitulado ‘Vou lhe mostrar o medo, o mistério de Edgar Allan Poe’. A obra recria a vida de Poe, que vira protagonista em uma intrincada relação com um leitor, Samuel, e o crítico literário Rufus Griswold.
Frobenius apresenta uma história em que os crimes imaginados por Poe em seus contos acabam reproduzidos na vida real pelo assombroso Samuel, mais do que obcecado pela obra de Poe. Na verdade, foi Poe quem o ensinara a ler e a relação de ambos adquire assim um caráter metafórico da interação entre o escritor e o leitor.
Enquanto os contos e os crimes se sucedem, Griswold, que é jornalista e ex-pastor, também vai se tornando obcecado pela obra, tentando de todo modo destruir a carreira de Poe, por julgá-lo amoral. A relação de Griswold com Poe é doentia, ele se vê perseguido pelo escritor o tempo todo e nesse percurso acaba destruindo a si próprio.
Como o filme de Lars von Trier, o romance também mantém um alto nível de intertextualidades com a obra de Poe e leva o leitor a pensar no sentido que dá aos textos que lê ou na apreensão que cada um de nós faz do trabalho do escritor. “Não existem garantias, para o escritor, de que ele será entendido, e textos às vezes podem ser mal interpretados de formas muito destrutivas”, afirma Frobenius sobre o romance.
Vou lhe mostrar o medo, o mistério de Edgar Allan Poe,
Nikolaj Frobenius, tradução de Eliana Sabino, Geração Editorial, SP, 2012, 296 págs.