Herança cultural dos Pampas

A alma do homem dos Pampas ressoa em ‘Cavalos do Amanhecer’, do contista uruguaio Mario Arregui (1917-1985), com dez histórias escolhidas e traduzidas pelo escritor gaúcho Sérgio Faraco, que a partir dos anos 80 se interessou pela obra do escritor vizinho.

O que aproximou ambos foi o interesse comum pela identidade do homem dos Pampas, uma região que abarca porções territoriais do Brasil, Argentina e Uruguai, criando um caldo cultural com elementos étnicos e de paisagem natural que afrouxa a fronteira política entre os países. Uma das heranças mais conhecidas desse universo é o hábito de esquentar água e cevar o mate logo ao amanhecer.

Arregui foi um grande contista uruguaio
Arregui foi um grande contista uruguaio

Os contos de Arregui são, portanto, histórias do campo, em que oposições entre vida e morte ou razão e loucura se colocam em situações de limite. Os textos representam também tributos para manter vivas as tradições culturais da região, oferecendo resistência ao que Faraco chama de “cosmopolitismo falsamente humanista” que advém do processo de globalização.

Fiquei impressionado com o conto ‘Três Homens’, no qual policiais de uma área rural procuram um bandido no mato, mas se perdem ao cair da noite. A angústia provocada pelo escuro e seu poder de acender as chamas do imaginário levam essa história a um percurso surpreendente, em que o leitor fica a pensar que a luta que se enfrenta de forma leal e destemida é um antídoto contra a covardia, ou ainda que empunhar uma arma pode ser mais um ato de covardia do que de coragem.

O mais famoso conto do livro é ‘Lua de Outubro’, que inspirou filme homônimo, de 1997, com Marcos Winter no papel principal e direção de Henrique de Freitas Lima. Nessa história, Pedro Arzábal vive uma paixão inusitada com uma mulher formosa e louca, mas que encarna a morte sem que seu amante se dê conta.

O engano como condição da vida e da morte está presente também na história que dá título ao livro, quando o gaúcho Martiniano Rios avista ao longe cavalos do que pensa ser um exército que se aproxima e, cansado de servir em guerras, prefere se esconder no poço próximo ao rancho. O desdobramento da história é desesperador e também são interessantes as referências do escritor à cultura ‘criolla’ que marca a vida nos Pampas.

Nos contos ‘Os Contrabandistas’ e ‘A Vassoura da Bruxa’, Arregui explora um tema universal da literatura latino-americana, que é a ligação que se estabelece entre quem mata e quem é morto. Os fantasmas que assolam os assassinos estão também presentes no grande romance ‘Cem Anos de Solidão’, de Gabriel García Márquez.

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Cavalos do Amanhecer,

Mario Arregui, tradução de Sérgio Faraco, editora L&PM, RS, 2003, 148 págs.

Fotos: Divulgação