País dos Bruzundangas

Lima Barreto – Crítica ácida aos valores da República Velha (foto: divulgação)
Lima Barreto – Crítica ácida aos valores da República Velha (foto: divulgação)

Mestre em sátiras, o escritor Lima Barreto (1881-1922) apresenta na coletânea de crônicas ‘Os Bruzundangas’ uma crítica ácida e ferina à sociedade do início do século 20, período politicamente conhecido como República Velha.

O livro, que pode ser copiado sem custo no site Domínio Público (www.dominiopublico.gov.br), descreve a cultura, costumes e valores de um lugar fictício, os Estados Unidos da Bruzundanga, que sem dificuldade o leitor descobre tratar-se do Brasil. “O país, no dizer de todos, é rico, tem todos os minerais, todos os vegetais úteis, todas as condições de riqueza, mas vive na miséria”, afirma Lima Barreto no quarto capítulo, quando trata da política e dos políticos do país fictício.

Como visitante que descreve uma terra estrangeira, Lima Barreto organizou o livro de acordo com os aspectos que regem a vida da aparentemente hipotética sociedade: literatura, economia, política, educação, diplomacia, eleições, religião e heróis, entre outros, formam os ângulos sob os quais o cronista observa o tal país em cada narrativa, trazendo à tona seus valores, contradições e personagens emblemáticos.

Mas nada escapa à hipocrisia, ao oportunismo, ao nepotismo ou ao desejo de perpetuar privilégios dos Bruzundangas. A riqueza literária da sátira de Lima Barreto está não apenas em formar com distanciamento um retrato ácido e irônico de uma determinada época da sociedade, mas em desafiar o próprio gênero literário da crônica.

Os dicionários definem crônica como uma narrativa ligada ao tempo presente, algo que é publicado em jornais e rapidamente fica velho, desatualizado. Mas não a crônica de Lima Barreto, que em muitos momentos se mostra como se ainda estivesse espelhando o Brasil, como neste trecho em que o autor espeta os candidatos em eleições: “Os seus eleitores não sabem quem ele é, quais são os seus talentos, as suas idéias políticas, as suas vistas sociais, o grau de interesse que ele pode ter pela causa pública; é um puro nome sem nada atrás ou dentro dele”.

Esse pequeno retrato parece que ainda hoje se presta ao que acontece, sobretudo em eleições legislativas, em que os candidatos são meras imagens, impressas em santinhos ou de fala rápida na TV, sem conteúdo detalhado, apelando pelo voto com sua beleza, carisma ou frases prontas e nada mais.

Nos últimos anos, desde a eleição de Lula, o Brasil começou a mudar em relação a suas raízes históricas, principalmente porque hoje existe um pouco de distribuição de renda frente à miséria que era mantida por governos autoritários e conservadores. Isso, no entanto, não alterou parte das nossas vocações com raízes históricas, como a vocação para a falsa nobreza, ou a nobreza de aparência, que hoje é tão cara às classes que ainda se pautam por privilégios e preconceitos.

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